carta | a última avó
morreste como sempre viveste… a querer fazer tudo até ao último segundo possível.
não falhaste um único aniversário, um único nascimento, um único momento onde sabias que estaríamos todos juntos. no fundo… uniste-nos sempre apesar de tudo. tenho-me despedido de ti todas as vezes que te vi nos últimos seis meses sempre com o mesmo pedido… “adeus avó… pode ir, nós ficamos bem” e tu, nada. digo tu, porque voltei a ser pequena, quando dizias que quando te tratava por tu, nos metia no mesmo patamar, mesmo que eu de chinelos e tu de pérolas. não foste, e duvido que quisesses de facto ir, mas sabes que o avô te espera há tanto tempo… desde que o perdemos, quando eu tinha nove anos, que me dizias que tinhas muitas saudades dele, mas que ele podia esperar… tu ias quando pudesses.
por isso obrigada. obrigada pelo apoio em tudo, no matter what, sem limites e sem condições, desde que eu não dissesse que não gostava de alguma comida, o resto era permitido. obrigada pelos mimos que ias deixando, os croquetes, a cenoura ralada e a fruta descascada até aos dias de hoje, porque a neta merece. obrigada por abrires a porta sem questões e deixares-me dormir uma sesta embrulhada nos teus lençóis depois de um exame, namoro mal parado, discussões, tristezas e ás vezes só porque sim… obrigada pelos conselhos, por nunca me julgares, por aceitares mesmo de lágrima no olho, todas as minhas decisões. obrigada pelo chá com três colheres de açúcar, pelo pão com kilos de manteiga, por me teres dado colo quando o avô e a bivó partiram, mesmo estando tu a sofrer tanto ou mais que eu… obrigada por teres querido cá ficar estes anos todos, porque eu acredito que foi por nos quereres ver crescidas, formadas, casadas, mães e felizes que nunca nos largaste a mão…
foste mãe, avó e bisavó da melhor maneira que soubeste ser, e eu só tenho e guardo de ti coisas boas.
hoje a palavra avó deixa de fazer parte da minha vida… tive a sorte de nascer e crescer com os meus quatro avós, que me foram deixando um de cada vez em fases diferentes da vida… uns mais marcantes que outros, uns mais distantes, outros mais brincalhões, uns mais rígidos, outros mais ternurentos… e tu mais presente. guardo o teu cheiro como guardei este tempo todo o do avô manuel e nunca na vida fez tanto sentido a morte… deixas-nos tristes, mas em paz ao saber que poderás, esperemos, juntar-te a quem te fez sempre tanta falta. disseste-me que quando o avô partiu ele estaria sempre connosco, pois eu acredito que tu também, e agora ao lado dele que me tranquiliza imensamente… por favor olhem por nós, bisnetos, netos e filhos que tanto vos amam e a quem tanto fazem falta.
por aqui continuaremos em vossa honra, a contar as vossas histórias, o vosso namoro, o vosso carinho um pelo outro, a vossa saudade e a vossa dedicação. por aqui homenagearemos a vossa vida relembrando e guardando histórias para contar aos que por aí vierem. sempre disseste que a memória é das melhores coisas que podemos ter… eu saí a ti. por mais que a vida dê as suas voltas, nós saberemos sempre guardar o que passou para termos sempre conversa ao almoço, sempre com que nos entreter. a partir de hoje a minha vida fica mais triste, mas com a certeza de que foi boa… contigo aqui comigo.
obrigada avó… beijo grande… descanse e namore muito.